quarta-feira, 23 de julho de 2008

Desabafos de um médico - A menina ruiva

Nos links correspondentes aos MEUS AMIGOS tenho um para o blogue Desabafos de um médico. Esse blogue está inactivo desde Outubro de 2006. É uma pena que o autor tenha desistido de escrever, porque tem artigos de muita qualidade, quer pelo tema central (o dia a dia de um médico pediatra), quer pela forma como ele escreve.
Aqui reproduzo um desse artigos. Vale a pena visitar o blogue e ler alguns dos artigos mais antigos.

A menina ruiva

"A menina ruiva tinha batido com a cabeça no chão, fruto das brincadeiras típicas de uma criança de (quase) 2 anos. Por ter um "galo" na testa, e porque a mãe a achou um tudo ou nada sonolenta, a menina ruiva foi ao Hospital.

No altifalante da sala de espera a minha voz soou, anunciada por um horrendo "jingle" metálico, chamando a Carolina ao meu gabinete. Entrou pela mão da avó, pelo próprio pé, com ar sereno. Era a menina mais ruiva que eu tinha visto, de olhos grandes e claros. Dizem as lendas pagãs que os de cabelos ruivos são mágicos, resultado talvez do facto de ser uma cor de cabelo razoavelmente invulgar.
Perguntei à avó o que se tinha passado e depois, ainda sentado no banco, pedi à Carolina para se chegar mais perto de mim, estendendo-lhe os braços. Manteve o mesmo ar sereno, não disse uma palavra, e correu para mim, saltando imediatamente para o meu colo. Fiquei, naturalmente, supreendido por aquela atitude, tão rara em crianças daquela idade, pelo que consegui apenas sorrir, atrapalhado, enquanto observava o resultado da queda. Deixou-se observar sem um queixume, ajudando em todas as partes do exame objectivo, mas estranhamente nunca sorriu ou disse uma única palavra...
A queda não tinha provocado danos preocupantes, e portanto a Carolina iria para casa acompanhada pela mãe e pela avó, que vigiariam atentamente o seu estado durante os próximos 2 dias. Ao despedir-me da avó e dela voltei a ver no olhar dela uma expressão pacífica e satisfeita, e embora o seu rosto não sorrisse e a sua boca não se abrisse, acenou-me com um simpático adeus...
E assim, com este encontro "mágico", fiquei mais bem disposto para as longas horas de Urgência que me esperavam ainda."

4 comentários:

  1. Um simples gesto de simpatia e amizade pode tornar nosso dia agradável e produtivo.
    Excelente crônica.

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito do que li. Sou avó de um periquito de quinze meses, e por isso me tocou especialmente.
    Obrigado por ter partilhado connosco esse momento.

    ResponderEliminar
  3. Ousadia perdoada, e já agora dá lá um pulinho. Perdoa-me a minha ousadia!

    ResponderEliminar
  4. Fazendo pesquisa sobre ruivos me deparei com seu depoimento,linda observação sobre ruivos..sou ruiva...e quando criança minha mãe dizia que no hospital desfilavam comigo..rss pois afinal cabelos vermelhor e olhos azuis é coisa rara.

    Abraços

    Kramer

    ResponderEliminar