Há 49 anos, na sessão de abertura da Conferência de Pugwash, sobre a guerra química e biológica, Bertrand Russel afirma: «a guerra biológica é mais perigosa para a Humanidade do que as armas nucleares».
Numa altura em que a Humanidade receava a eclosão de uma guerra nuclear, Bertrand Russel, prémio Nobel da Literatura, político liberal activista e um dos mais influentes matemáticos e filósofos do século XX, alerta, nesta Conferência, para a perigosidade da utilização de armas químicas e biológicas, cujos efeitos poderiam ser ainda mais devastadores do que aqueles que adviriam do uso de armas nucleares.
(Fonte: Diário Popular de 25-08-1959).
Na Antiguidade e na Idade Média a guerra biológica era praticada através do uso das substâncias tóxicas originárias de organismos vivos. Os Exércitos usavam corpos em decomposição para contaminar o abastecimento de água de uma cidade sitiada, ou atiravam para dentro das muralhas inimigas cadáveres de vítimas de doenças como varíola ou peste bubônica (conhecida na Idade Média como peste negra). O arremesso de corpos sobre as muralhas das cidades sitidas era realizado com o uso de catapultas, e apresentava também um impacto moral pela visão de um corpo voando sobre a muralha e espatifando-se no pátio interno da fortaleza ou cidade, além do forte odor do corpo em putrefação.
Actualmente, essas armas podem ser bactérias (ou suas toxinas), vírus e fungos fabricados em laboratórios. Durante a Guerra Fria, EUA e a ex-URSS desenvolvem pesquisas voltadas para a guerra bacteriológica.
O fabrico e armazenamento de armas biológicas foram proibidos pela Convenção sobre Armas Biológicas (BWC) de 1972.
No entanto, a convenção proíbe somente o fabrico e o armazenamento, mas não o uso, destas armas.
Entretanto, o consenso entre analistas militares é de que, excepto no contexto do bioterrorismo, a guerra biológica tem uma aplicação militar bastante limitada.
Mas o terrorismo internacional está na ordem do dia.
Aspectos médicosA literatura científica especializada menciona uma série de bactérias, fungos, ricketsias e toxinas biológicas como prováveis causas da sinistralidade de referência numa guerra com agentes biológicos.
Frequentemente mencionados são os Bacillus anthracis (Carbúnculo), a toxina botulínica, a Yersinia pestis, o rícino, a entoroxina do estafilococo ß (SEB) e a encefalite equina venezuelana (VEE).
Embora com características difrentes, estes agentes e toxinas, quando usados como armas, têm alguns traços comuns. Por exemplo, todos podem ser espalhados em partículas de aerossóis, com um tamanho de 1 a 5 μ (micron: 1 μ = 0001 mm), capaz de permanecer em suspensão no ar, consoante as condições meteorológicas, durante algumas horas.
Portanto, se essas partículas forem inaladas, penetram os bronquíolos terminais e nos alvéolos distais das vítimas.
Outros possíveis canais sensíveis a agentes biológicos são os da a via digestiva (intencional de contaminação dos alimentos e da água) e da pele. Em geral estas vias são considerados de efeitos menos importantes do que os produzidos sobre a função respiratória.
Do ponto de vista estritamente militar, a possibilidade de que estes agentes incapacitarem soldados inimigos numa alta porcentagem (efeito operacional), é um efeito mais significativo que a acção dos agentes letais.
Entre os agentes letais incluem-se o antraz, a toxina botulínica e a Francisella tularensis. Entre os agentes incapacitantes deve incluir-se o Staphylococcus ß e Coxiella burneti.
Existem basicamente três tipos de agentes biológicos:
• Bactérias:
- Bacillus anthracis.
- Yersinia pestis.
- Francisella tularensis.
• Vírus:
- Varíola.
- Encefalite eqüina venezuelana.
- Febre hemorrágica.
• Toxinas:
- Botulismo.
- Staphylococcus ß.
- Rícino.
- Micotoxinas (T2) (Myrotecium, Trichoderma, Fusarium).
Este artigo tem por objectivo divulgar uma pequena síntese de cada um desses agentes, especificando, no entanto, as informações pertinentes sobre os seus sinais e sintomas, diagnóstico, tratamento, prevenção e descontaminação.
Carbúnculo
Sinais e sintomas: o período de incubação dura de um a seis dias. Os sintomas são febre, mal-estar, fadiga, tosse, dor torácica seguida por uma grave insuficiência respiratória (falta de ar), diaforese (suores) e estridor laríngeo-cianose. O choque e a morte ocorrem dentro das 24-36 horas desde o aparecimento dos primeiros sintomas.
Diagnóstico: os sinais físicos não são específicos. No entanto, na radiografia de tórax, podemos ver um alargamento do mediastino. Deve fazer-se esfregaço nasal e hemocultura.
Tratamento: Embora habitualmente não efectiva após os sintomas estarem presentes, é utilizada a penicilina, a ciprofloxacina, a doxiciclina.
Profilaxia: Vacinação. Mas essa vacina tem muitos efeitos colaterais e contra-indicações. Em caso de confronto com a iminente exposição ou exposições conhecidas, pode ser utilizada a ciprofloxacina oral.
Descontaminação: Deve ter-se muito cuidado com as secreções. O instrumental e a área contaminada deverão ser cuidadosamente desinfectados com um agente esporicida (iodo ou cloro).
Cólera
Sinais e sintomas: o período de incubação é de um a cinco dias. Esta doença pode ser assintomática ou ter um arranque rápido com sintomas graves. O quadro é de vómitos, distensão abdominal com dor, febre, seguidos rapidamente por diarrreia. A perda de fluidos pode variar entre 5 e 10 litros por dia. Sem tratamento, a morte é causada por desidratação grave, choque e hipovolémia.
Diagnóstico: é clínico. Diarreia aquosa e desidratação. O exame microscópico de amostras de fezes pode revelar células sanguíneas vermelhas e brancas. O agente pode ser identificado nas fezes.
Tratamento: reposição de fluidos e eletrólitos. Antibióticos (tetraciclina, ampicilina ou sulfametoxazol e trimetoprim) podem reduzir a duração da diarréia.
Profilaxia: Vacinação. Revacinação aos trinta e sete dias. Necessidade de revacinação a cada seis meses.
Descontaminação: o contato pessoal normalmente não causa infecção, mas devem ser tomadas precauções com o tratamento dos dejectos e a mais cuidadosa higiene das mãos. Hipoclorito de sódio (lixívia) fornece soluções adequadas à descontaminação.
Peste (YersiMia Peste)
No homem, aparece sob três formas: a pneumónica, a bubónica e septicémica.
Sinais e sintomas:
Pneumónica: o período de incubação dura de dois a três dias. Hipertemia, dor de cabeça, calafrios, toxémia e hemoptise. Aparece rapidamente dispnéia, cianose e estridor laríngeo. A morte é causada por insuficiência respiratória, colapso circulatório e hemorragia tendências.
Peste negra: o período de incubação dura de dois a dez dias. Apresenta-se com febre alta, dor muscular e gânglios linfáticos palpáveis (Buba), pode evoluir para a forma de septicémica, com infiltração do sistema nervoso central, pulmões e outros órgãos.
Diagnóstico: é eminentemente clínico.
Tratamento: Administração imediata de antibióticos é muito eficaz. A droga é, por excelência, a estreptomicina. Terapêutica de suporte de vida é necessário para as formas pneumónica e septicémica.
Profilaxia: Vacinação. Porém a vacina não imuniza contra a exposição a partículas dispersas por aerosol.
Descontaminação e de isolamento: devem ser tomadas precauções relativamente às lesões bubónicas, em termos de secreções. É indispensável o estrito isolamento dos pacientes com forma pneumónica.
Febre Q
Sinais e sintomas: febre, tosse e lesão pleural. O período de incubação começa a partir do momento da infecção até dez dias.
Diagnóstico: febre Q não têm uma entidade clínica distinta e pode simular uma simples doença viral ou de uma pneumonia atípica. O diagnóstico é confirmado por análises serológicas.
Tratamento: febre Q é uma doença geralmente auto-limitada, mesmo sem tratamento. As drogas de escolha são as tetraciclinas.
Descontaminação: água e sabão ou solução de hipoclorito de sódio a 0,5% (lixívia).
Varíola
Sinais e sintomas: início de forma aguda com mal-estar, febre, calafrios, vómitos, dores de cabeça e dorsalgias. Dois ou três dias depois que aparecem lesões cutâneas, que vão progredindo rapidamente a partir de máculas, e, eventualmente, bolhas e pústulas. Estas lesões são mais abundantes nos membros e face.
Diagnóstico: é clínico.
Tratamento: não existe hoje. É apenas sintomático.
Profilaxia: devem ser vacinadas ou revacinação imediato a todas as pessoas expostas. Vacina (uma dose escarificação, revacinação a três anos).
Isolamento: isolamento rigoroso de quinze a dezassete dias após a exposição, para todos os contatos. Os doentes devem ser considerados infecciosos, até que todas as crostas desapareçam.
Encefalite equina venezuelana
Sinais e sintomas: o seu início é nítido, com mal-estar, picos febre, arrepios, cefaleias, mialgias e fotofobia. Náuseas, vómitos, tosse, dor de garganta e diarréia. A total recuperação geralmente ocorre entre uma a duas semanas.
Diagnóstico: é clínico. Os achados clínicos geralmente não são específicos. O número de glóbulos brancos, muitas vezes demonstra leucopenia e linfocitopenia. O isolamento do vírus pode ser feita a partir do sangue e de esfregaço da faringe.
Tratamento: é sintomático.
Profilaxia: vírus da vacina atenuada.
Descontaminação: devem ser tomadas precauções em matéria de contacto com o sangue e secreções. Os casos humanos são infectados pelo picada do mosquito. O vírus é destruído pelo calor e com desinfectantes comuns.
Vírus da febre hemorrágica
Estes distúrbios aparecem em diferentes grupos de doenças humanas, e este é devido à presença de vírus de diferentes famílias: o Filoviridae (Ébola, Marburg), avenaviridae (Lassa febre, febre hemorrágica boliviana e Argentina), buoryaviridae (hanta, congo, Crimeia, Nair, Rift Valley), o Flaviviridae (febre amarela, dengue).
Sinais e sintomas: febre é uma doença que é complicada por sangramento fácil, petéquias, hipotensão e choque, inchaço da face e pulmões. O doente infectado também pode apresentar mal-estar, mialgia, dor de cabeça, vómito e diarreia.
Diagnóstico: é feito por técnicas específicas laboratoriais de virologia.
Tratamento: A terapia antiviral com a ribavirina, em alguns casos, é frequentemente útil. O plasma de convalescentes é eficaz em casos de febre hemorrágica argentina.
Medicina preventiva: a única vacina conhecida é a que se aplica contra a febre amarela.
Descontaminação: a descontaminação deve ser feita com hipoclorito. É necessário indicar medidas de isolamento.
Toxina botulínica
Os sinais e sintomas aparecem através de uma fraqueza generalizada, boca seca, certa rigidez da mandíbula, visão turva, diplopia, disartria, disfonia e disfagia, seguido pelo simétrico flácida e insuficiência respiratória. Os sintomas começam em 24-36 horas, mas a infecção, causada por inalação, podem ocorrer vários dias depois.
Diagnóstico: é clínico.
Tratamento: intubação e ventilação para a insuficiência respiratória. Traqueostomia pode ser necessária. A administração da antitoxina botulínica é capaz de prevenir a insuficiência respiratória.
Descontaminação: hipoclorito (0,5% para 10-15 minutos) e/ou água e sabão.
A presença de enterotoxinas ß
Os sinais e sintomas após três a doze horas após a exposição ao spray, os sintomas começam a manifestar-se rapidamente com febre, calafrios, dores de cabeça, mialgia e tosse não produtiva. Alguns pacientes desenvolvem muitas vezes dor retroesternal (dor no peito) e respiração superficial. A febre pode terminar em dois a cinco dias mas a tosse pode persistir ao longo de quatro semanas. Alguns doentes têm, muitas vezes, náuseas, vómitos e diarreia (se ingeriram a toxina). Altos níveis de exposição pode levar a choque séptico e morte.
Diagnóstico: é clínico.
Tratamento: apenas terapêuticas de sustentação da vida. Pode exigir ventilação artificial, em casos graves. Deve ser dada atenção à gestão dos líquidos.
Profilaxia: Não existe vacina.
Descontaminação: hipoclorito (0,5% para 10-15 minutos) e / ou água e sabão. Devem destruir-se todos os alimentos que possam ter sido contaminados. Uso de máscara protectora pelos que têm contacto com os doentes.
Rícino
Sinais e sintomas: o doente apresenta mau estado geral, tosse e hipertermia. Isso ocorre cerca de 36 horas após a exposição ao spray, e segue, nas seguintes doze horas, com hipotensão e colapso cardiovascular.
Diagnóstico: clínico, laboratorial é inespecífica, excepto para o método Elisa.
Tratamento: Não existe nenhuma antitoxina. Se a toxina é ingerida, deverão ser utilizados métodos de descontaminação gástrica.
Profilaxia: não existe vacina. Usar máscara.
Descontaminação: a pele deve ser descontaminada com soluções hipoclorito fraco, ou usar água e sabão.