Esta é uma história verídica passada durante a Primeira Guerra Mundial (1914/1918).
No dia 13 de Outubro de 1918, largou da Madeira com destino aos Açores o vapor São Miguel, transportando carga e duzentos e seis passageiros, escoltado pelo navio patrulha Augusto Castilho comandado pelo primeiro-tenente Carvalho Araújo. O navio patrulha era um antigo arrastão, transformado em navio de guerra pela adição de duas pequenas peças de artinharia, uma de 65 mm à proa e outra de 47 mm à popa. Parte da sua guarnição era constituída por pessoal da Armada e outra parte pelos seus antigos tripulantes.
Ao amanhecer do dia 14 de Outubro encontravam-se os dois navios a cerca de duzentas milhas de Ponta Delgada quando, subitamente, começaram a ver cair à sua volta granadas de grosso calibre que levantavam enormes colunas de água. Só então se aperceberam de que estavam a ser atacados a tiro de canhão por um submarino navegando à superfície. Aos gritos de «submarino!», «submarino!», o vapor aumentou a sua velocidade para catorze nós, que era a sua velocidade máxima, enquanto o navio patrulha passava a postos de combate, aumentava também a velocidade para dez nós, que para mais não davam as suas máquinas, começando a disparar a peça de ré contra o submarino e a lançar uma cortina de fumo para se encobrir a si e ao São Miguel.
O submarino era o U-139, um poderoso cruzador submarino alemão, armado com dois enormes canhões de 150 mm. O seu comandante era o capitão-tenente Von Arnaul de La Periére.
Iniciou-se então um insólito duelo de artilharia entre a minúscula peça de ré do navio patrulha português e os dois monstros do submarino que, para poder usar ambos, era obrigado a guinar ora para um bordo ora para o outro, o que fazia aumentar a distância. O certo é que, graças à cortina de fumo lançada pelo Augusto Castilho e à pequena dimensão do alvo, os artilheiros alemães não conseguiam acertar com nenhum tiro. Mas as caixas de fumo acabaram-se, a visibilidade melhorou. O submarino aproximou-se e as granadas alemãs começaram novamente a cair muito perto dos dois navios portugueses.
Receando que o São Miguel fosse atingido, o Cmd. Carvalho Araújo inverteu o rumo e avançou direito ao submarino.
Entretanto o Augusto de Castilho começava a ser atingido por estilhaços de granadas e a ter os primeiros mortos e feridos. Cerca de uma hora depois de ter começado o combate, o Cmd. Carvalho Araújo, vendo que o São Miguel já estava muito afastado, inverteu novamente o rumo e tomou o caminho do vapor, perseguido pelo submarino que continuava a bombardeá-lo intensamente. É certo que nenhuma das granadas alemãs até então lhe tinha acertado em cheio, mas as que caiam mais perto produziam uma chuva de estilhaços que continuavam a fazer vítimas. Pelas oito da manhã acabaram-se as munições da peça de ré do navio patrulha. Mais uma vez o Cmd. Carvalho Araújo inverteu o rumo e aproou ao submarino unicamente com a intenção de gastar todas as munições da peça de vante antes de se render. Quando estas se esgotaram mandou parar as máquinas e colocar a bandeira a meia adriça. Mas o fogo do submarino continuava. Mandou então içar uma bandeira branca juntamente com a bandeira nacional, mas nem por isso o fogo do submarino abrandou. Nessa altura uma granada acertou em cheio no patrulha e uma onda de estilhaços varreu o navio. O comandante caiu morto e o imediato, guarda-marinha Armando Ferraz, sofreu ferimentos ligeiros pela segunda vez.
Foi então que ocorreu um acidente grave a bordo do submarino. Uma das suas granadas explodiu prematuramente ao sair da boca da peça provocando avarias no seu casco exterior e em alguns tanques de combustível.
Vendo-se agora obrigado a reparar as avarias produzidas pela sua própria peça, o comandante do submarino deu finalmente a ordem de cessar fogo, pondo termo ao combate.
Ao ser içado o sinal de rendição, a guarnição do navio patrulha português apressara-se a pôr as embarcações na água e a abandonar o navio. Mas uma das baleeiras estava muito danificada e foi ao fundo. A outra com vinte e nove homens a bordo, muitos deles feridos, seguiu à vela, sob o comando do aspirante Samuel Vieira, para a ilha de Santa Maria onde chegou dois dias depois, tendo-lhe morrido um dos feridos durante a viagem. Os restantes doze homens, que tinham sido os últimos a deixar o navio, conseguiram, com um sobretudo dobrado, remendar o bote no qual, sob o comando do guarda-marinha Armando Ferraz, alcançaram a ilha de São Miguel após uma portentosa viagem de cerca de duzentas milhas a remos, sem comida e praticamente sem água.
O Augusto Castilho acabou por ser afundado com cargas explosivas colocadas a bordo. (Fonte: Portal da Marinha)
Jorge,
ResponderEliminarHistória quase cómica amigo,de muita bravura e perigosidade,de como era aquela época e as suas guerras mundiais,que parecem-nos agora tão distantes...
Abraço amigo,
joao
História muito interessante.
ResponderEliminarNão sabia que Portugal havia participado da 1ª Guerra, imaginava que havia sido uma nação neutra, como na 2ª.
Esta história que contastes me reacendeu a memória e me inspirou a contar uma outra, que certa vez li ao visitar a ilha de Trindad, território brasileiro no meio do Atlântico.
Em breve a publicarei no meu blog.
Abs
Jorge,
ResponderEliminarEsta postagem é muito oportuna. Primeiro, pela efeméride em si. Depois, porque dá a conhecer factos da História de Portugal que muitos não conhecem.
O Carvalho Araújo e seus subordinados são um mero exemplo do que era o Amor à Pátria...
O Carvalho Araújo fazia parte do meu imaginário infantil. São imagens que não se perdem. Também fiz um post sobre o assunto.
ResponderEliminarcuriosamente tropecei neste post após abordar com um amigo meu este incidente...
ResponderEliminarA primeira vez que ouvi falar sobre o Comandante Carvalho Araújo e seu navio Augusto Castilho foi enquanto miúdo quando duas senhoras me contaram a historia de como enquanto crianças fizeram uma viagem num vapor e de como foram obrigadas a recolher ás cabines porque o navio estava a ser atacado, (curiosamente lembro-me das ditas senhoras mencionarem o desligar de todas as luzes no vapor para não serem visíveis do submarino (tal implicaria ter sido de noite o encontro?) depois contaram-me como os actos Heróicos do comandante Carvalho Araújo com o seu derradeiro sacrifício salvaram as suas vidas e de muitos outros, foi uma história empolgante para um miudo pequeno, nunca a esqueci... Quanto ás senhoras que me contaram esta fabulosa história... a minha avó Corina e tia avó Ludovina, se Deus quiser estão a relembrar esta história num outro lugar melhor...
Existe um pequeno livro editado pelo Jornal "Diário de Noticias" (Ou editora? julgo que foi nos anos 40) que relata este combate entre o Augusto Castilho e o U-139.
ResponderEliminarO meu avó foi dos poucos sobreviventes deste combate, tratava-se de José Batista Martins.
Impressinante!
ResponderEliminarObrigado pela visita e comentário
Eliminar