domingo, 18 de janeiro de 2009

Pedro I de Portugal, justiceiro e cru


A 18 de Janeiro de 1367, faleceu, em Estremoz, o rei de Portugal D. Pedro I. Era filho do rei Afonso IV e de sua mulher, D. Beatriz de Castela.
Com a devida vénia aqui transcrevo o excelente texto de Fernando Correia da Silva em Vidas Lusófonas :

"Vejo D. Pedro pegar em armas contra o pai. Com a sua tropa, tenta mesmo ocupar a cidade do Porto. Mas também vejo o bispo de Braga a tentar apaziguar a desavença. Para minha surpresa, D. Pedro amansa. Deduzo que as palavras mágicas tenham sido “a guerra civil envolve sempre o martírio de inocentes”, e D. Pedro a lembrar-se então da inocência dos seus filhos com D. Inês...

El-Rei exige que D. Pedro não persiga os matadores de Inês de Castro e o Príncipe garante que já os perdoou. El-Rei finge aceitar a palavra dada, mas dela desconfia... De qualquer forma, começa a partilhar com o filho o mando e o comando do Reino. Mas quando em 1357 cai no leito de morte, ainda consegue aconselhar os matadores a exilarem-se em Castela. Pelo sim, pelo não, os três abalam e tratam de cruzar fronteira...


Morre el-Rei D. Afonso IV e a primeira medida de D. Pedro de Portugal é combinar com D. Pedro de Castela (filho de D. Afonso XI), a troca de homiziados castelhanos em Portugal por homiziados portugueses em Castela. É assim que são entregues à justiça portuguesa Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. Diogo Lopes Pacheco consegue fugir a tempo de Castela para Aragão e daqui para França.


Enquanto trincha e come a sua vianda mal passada pelas brasas e bebe o seu vinho tinto, D. Pedro I vai assistindo à demorada tortura de Pero Coelho e Álvaro Gonçalves. A um, é arrancado o coração pelas costas, a outro pelo peito. Persignam-se os nobres e murmuram, apavorados:


- El-Rei traiu a palavra dada...


Mas a um homem bom (é o nome que neste tempo se dá a um burguês conceituado), ouço dizer:


- Quem trai a quem fez traição, tem cem anos de perdão...


A obsessão d’el-Rei D. Pedro I passa a ser a justiça que aplica, de forma inclemente, contra criminosos quer de origem nobre, quer plebeia, sem fazer distinção entre uns e outros, o que muito agrada à arraia-miúda. Porém, mais do que fazer justiça, D. Pedro gosta é de ver aplicá-la, goza muito com o sofrimento dos condenados. Por isso ora dizem que é Justiceiro, ora dizem que ele é Cru (cruel). Séculos mais tarde irão chamá-lo psicopata, sádico. Não digo que não seja mas estou em crer que a sua Inês degolada em frente dos filhos, infectou e fez purgar o lado obscuro da sua alma...


Nos intervalos entre a aplicação da justiça e a governação do Reino, do que D. Pedro mais gosta é de sair pelas ruas a bailar e a folgar com outros foliões da arraia-miúda.


Mas nunca se esquece da sua paixão. Comentam que, depois da morte de D. Constança, teria casado secretamente com Inês de Castro. Nunca ouvi D. Pedro dizer tal coisa e duvido que isso tenha acontecido, pois seria afrontar desnecessariamente el-Rei D. Afonso IV. Além do mais, para poder casar com uma prima, teria que obter licença especial, bula papal. E desta não há qualquer notícia...


Tenta é preservar a memória de Inês de Castro. Mandou esculpir dois túmulos, um para Inês, outro para ele. Colocados lado a lado, virão a ser os grandes expoentes da arte tumular medieval portuguesa. Os baixos relevos do túmulo de D. Inês representam cenas da vida de Jesus, da Ressurreição e do Juízo Final. Sobre a tampa está esculpida a imagem de Inês, de corpo inteiro, com coroa na cabeça como se fora rainha. As esculturas do túmulo de D. Pedro representam cenas da vida dos dois apaixonados desde a chegada de Inês a Portugal. Por sua ordem, os dois túmulos são colocados dentro da igreja, à mão direita, cerca da capela-mor do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Em 1361 D. Pedro manda trasladar os resto mortais de D. Inês, do Mosteiro de Santa Clara para o Mosteiro de Alcobaça. Os restos mortais seguem em liteira de luxo, conduzida por grandes cavaleiros, acompanhada por muita gente, nobres, clérigos, burgueses e plebeus. Pelo caminho até Alcobaça, muitos homens com círios nas mãos. No Mosteiro, muitas missas e grande solenidade para depositar os restos de Inês em túmulo novo.


Também comentam que D. Pedro forçou os nobres a prestar vassalagem a D. Inês, obrigando-o as beijar a mão do cadáver. Mas isso também não vi.


Outros amores? Depois da morte de Inês, D. Pedro não voltou a casar nem a amancebar-se. Sei apenas que, de uma Teresa Lourenço, teve ainda um bastardo ao qual pôs o nome de João. O que ninguém levou ou leva a mal... Nestes tempos, todo o nobre que se preza, em casa tem um rancho de filhos legítimos e fora de casa tem um rancho de bastardos. O curioso é que este bastardo João virá a ser o futuro Mestre de Avis, fundador da segunda dinastia portuguesa. Sei isto porque pertenço aos séculos XX e XXI; o que ainda vai ocorrer, para mim já ocorreu.


Pelo mesmo motivo também sei que os amores de Pedro e Inês, por causa do testemunho dos meus três companheiros de viagem, irão inspirar não apenas gerações de artistas portugueses, mas de artistas de todo o mundo. Serão tema de ópera na Itália, de zarzuela em Espanha, de romance e tragédia em França, etc..


Que mais tenho eu a dizer? Ah, já sei: D. Pedro morre em 1367, em Extremoz, e o seu corpo é depositado no túmulo do Mosteiro de Alcobaça, ao lado do túmulo de Inês de Castro. Governou o Reino durante dez anos. E dizem as gentes, chorosas, que “este rei nunca havia de morrer” e que “tais dez anos nunca houve em Portugal como estes em que reinou el-Rei D. Pedro”.


Bem, acho que já chegou a hora de regressar ao meu próprio tempo, melhor é deixar-me escorregar a meio do sono..."

(Fernando Correia da Silva)



Mosteiro de Alcobaça - Túmulos de D. Inês de Castro e D. Pedro I de Portugal


Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D. Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
E o aceno do amado que há-de vir...

E mostrar-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.

E pedir-lhes, depois fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês...
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português.

(Miguel Torga, Inês de Castro)


5 comentários:

  1. conheço bem essa parte da historia - sou engatado neste D. Pedro - se ele viesse para o brasil agora nao sobraria um politico sem ser martirizado pois perto do que fizeram a Ines nossos politicos sao muito piores que hitlers loucos -

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  2. Violência e ternura, sentimentos que envolvem o episódio de Inês de Castro.
    Bonito poema de Miguel Torga sobre aquela que, diz a lenda, depois de morta foi rainha.
    Bjos,

    Milouska

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  3. Andei estudando essa história, Jorge, e parece haver um certo Édipo nela. Pedro não imprime sua vingança imediatamente após a morte do pai, e sim, após a morte da mãe. Nesse ínterim, teve a Teresa. Inês era bem mais velha do que ele e uma das causas de seu conflito com o pai foram os constantes espancamentos da mãe. Tanto um, quanto o outro eram sádicos. Ali, parece, da ruindade só escaparam as mulheres.
    Abraço.

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  4. Excelente texto!

    Sorri com a leitura do primeiro comentário e, já agora, aproveito para fazer dele as minhas palavras, porém, aplicando-o a Portugal.

    :)

    Abraços

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  5. Jorge,

    Li com atenção ao seu comentário e também ao artigo que me indicou sobre o Acordo Ortográfico.
    Tanto os comentários como os próprios artigos explicam porque frequento as páginas do .Blog, sendo suspeito para falar de páginas das quais sou fã.
    Quando salienta que Glória seria a D Maria II, sim, falamos da mesma Menina Rainha.
    Ao afirmar que Portugal conhece mais a história do Brasil do que o contrário, concordo e lembrou ao amigo que os país tendem a conhecer melhor a história da família e neste aspecto Portugal é o país pai... somos o filho e isto nos serve de desculpa!
    Reparei que no início do artigo você explica a origem do D. Pedro para espancar confusões: compreendi que se tratava de uma homenagem a seus leitores brasileiros, aqui não é corrente o conhecimento de que o D. Pedro I fora D. Pedro IV além mar.
    A nomemclatura Rei Soldado não é conhecida no Brasil. Como disse, ao abdicar no Brasil saiu do trono de Imperador e ganhou o de Herói e certamente o Rei Soldado é espólio da Guerra contra Miguel (que aqui se especula, promoveu o envenenamento de D. João VI).
    Rei Soldado, aqui não é referência justa: Don Pedro firmou-se como o manso, o introdutor do habeas-corpus, contra as algemas e por diversas vezes conteve o uso da força ora contra portugueses ora contra brasileiros, amansando tropas, enfim, um conciliador que amansava a todos com o seu grande poder de sedução, pois seduzia tanto mulheres como homens.
    Que a abdicação ao trono brasileiro foi uma única opção a um golpe militar/popular... não procede. O que Pedro fez foi constatar a ausência de condições políticas de manter seu trono sem colocar em risco a unidade nacional e daqui assistimos o esfacelamento dos países vizinhos que libertando-se dos espanhóis dividiram-se em unidades autônomas. O tempo provou que a manutenção da unidade territorial nos legou um país continental, o que hoje nos é um diferencial competitivo com relação aos países vizinhos.
    Dom Pedro I, adbicou porque não desejava violar a ordem constitucional e para se manter no poder deveria ter que fazê-lo, não o fez e manteve a autoridade moral de fazer observar a sucessão constitucional.
    Dom Pedro não perseguiu liberais, ao contrário, acolheu aos muitos que fugiram de Portugal. Anistiava mais do que prendia o que lhe rendeu a incompreensão constante dos aliados. Promoveu a liberdade de imprensa, tolerando mesmo o ataque de publicações que ofendiam primeiro a verdade, depois os alvos escolhidos para a calúnia. Deixou entre nós um enorme respeito. Como todo ser humano,possuía uma lista de defeitos, como eu, como você que me lê. Mas, a abdicação não foi um gesto casuístico, mas uma demonstração de força. Quando a oposição esperava fazer de Pedro um refém político ele reagiu de forma não esperada com a abdicação. Afinal, quem esperava que um menino de apenas 5 anos poderia ser entronado seu sucessor? Sua conduta sexual escandalosa permitiu uma ação de desconstrução de sua imagem no plano internacional, liderado por Metternich o campeão do absolutismo. Tal desconstução explica a enorme dificuldade que teve de encontrar uma nova esposa européia, após a morte da Imperatriz Leopoldina. A abdicação em favor de um filho genuinamente brasileiro roubou de seus opositores o discurso nacionalista, afinal tratava-se de aceitar a sucessão que fazia migrar a corôa para a cabeça de um brasileiro.
    Jorge, este comentário já vai longe, longe demais para uma rápida visita ao .Blog e curto para cobrir uma história tão extensa, rica e importante para nossos povos.
    Um abraço ao amigo.

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